domingo, 15 de maio de 2016

A quem serve a Escola de Tempo Integral?


Paro (1988) afirma que, como resposta às reivindicações das classes populares por escolas, o governo implanta projetos de escolas de tempo integral, cuja motivação é a tentativa de amenizar os problemas sociais, além dos muros escolares, das classes populares, ainda que estes problemas não tenham “natureza propriamente pedagógica”.
O autor evidencia o fato de que a ideia de formação integral, no Brasil antecede à própria escola pública, e tem origem nos internatos particulares criados para atender aos filhos das pessoas abastadas que neles procuravam preservar seu status quo (PARO, 1988).

Segundo Arroyo (apud LUNKES, 2004), os internatos particulares funcionavam em espaços isolados, com tempos integrais, métodos específicos e nos moldes das instituições totais que, de acordo com Goffman (1974, p. 16), são caracterizadas por um maior fechamento do que outras, ou seja,

[...] seu ‘fechamento’ ou seu caráter total é simbolizado pela barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes estão incluídas no esquema físico – por exemplo, portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. A tais estabelecimentos dou o nome de instituições totais.

Com a crescente urbanização e industrialização, essas escolas de elite deixaram de atender aos anseios da classe mantenedora. “Dessa forma, ao invés de segregar os membros de suas famílias, propõem, com base no ideário liberal-cristão, a segregação dos dominados” (PARO, 1988, p. 207). Essa proposta de segregação da “ameaça social”, pode ser vista nos “reformatórios de menores e as entidades ‘filantrópicas’ subvencionadas pelos órgãos oficiais” que, além de separar essa população do corpo social, têm a função de reintegrá-las à sociedade (PARO, 1988, p. 207).

Em São Paulo, o maior exemplo dessa segregação é antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), criada no ano de 1974. Esta fundação foi amplamente criticada pela mídia, pelos diferentes organismos e instituições de proteção aos direitos humanos, enfim, pela população em geral, por abrigar muitos adolescentes em um espaço reduzido, em regime fechado, nos mesmos moldes de uma prisão para adultos e com todas as suas mazelas.

Com o título “O pacote FEBEM” (2005), o editorial da Folha de S. Paulo explica bem a situação: Apesar do longo atraso, é bem-vindo o pacote anunciado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, para reestruturar a FEBEM. Sintomaticamente, o plano veio a público em meio a uma onda de revoltas na instituição. Desde janeiro, ocorreram 20 rebeliões, com fuga de 881 internos.

Para efeito de comparação, no ano passado contaram-se 28 motins e 993 fugitivos [...]. Assim, diante das críticas recebidas, o governador Geraldo Alckmin, que pleiteava, nas eleições de 2006, alçar a presidência da República, optou pelo desmonte da FEBEM, cujo início foi dado pela demolição, no dia 29 de março de 2006, do Complexo do Tatuapé, com capacidade para 1200 adolescentes. Para substituí-la, o governo inaugurou, em 27 de março de 2006, em Campinas, as duas primeiras unidades da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA), ligada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Paro (1988, p. 206-207), ao analisar a função educativa dessas instituições assistenciais, afirma que: se as entidades assistenciais, por incapacidade de assumir o papel de instituições educativas, não conseguiram “socializar” as crianças oriundas das classes dominadas e, por isso, viram-se impossibilidades de “reintegrá-las” à sociedade, então cabe à escola de tempo integral, assumindo essas crianças, cumprir esse papel.

Podemos, então, inferir que o projeto Escola de Tempo Integral foi criado, nesse contexto, como outra possibilidade, para além da CASA, de cercear o grave problema do ato infracional cometido por adolescentes, com ações preventivas, educativas e de tutela.
Quase todos os entrevistados perceberam este viés da função da escola, conforme demonstramos abaixo, com o excerto de uma entrevista: Por que você acha que a Escola de Tempo Integral foi criada? Pra sanar uma situação social, de certo abandono das crianças em certo período do dia. A criança que estudava à tarde, de manhã não tinha o que fazer.

O pai precisava sair pra trabalhar. Eu creio que tenha sido isso, um problema social, que trouxe a escola de tempo integral [...] mas eu acredito que seja um problema social que está sendo, não sanado, mas existe certo paliativo aí social com a Escola de Tempo Integral (Professora e Coordenadora). Lunkes (2004, p. 6) conclui que a escola de tempo integral “se localiza no extremo social oposto àquele de sua origem, tanto no que se refere à clientela como à mantenedora”, uma vez que antes as escolas de tempo integral eram particulares e visavam à educação das elites, sendo por elas mantidas e, agora, há, também, escolas de tempo integral que são públicas e visam à educação das classes populares.

Tanto a função educativa como a de guarda, do projeto Escola de Tempo Integral, são frutos de políticas públicas sociais advindas do Estado capitalista democráticas. Temos nos defrontado, em vários momentos e espaços, com certa visão de políticas públicas, especialmente as sociais, que imediatamente nos remete a uma concepção de política ‘reparadora’, ‘de ampliação de acesso’, que interferiria no campo das desigualdades e divisões sociais e cuja aplicação provocaria transformações sociais e criaria um mundo melhor.



Fonte: 
http://www.scielo.br/pdf/ensaio/v19n71/a03v19n71.pdf




Postagem de Yasmim Arruda.

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