na escola em tempo integral , alunos e professores veem o período da manhã como trabalho e o da tarde como brincadeira.
Nair Salgado: as crianças compreendem a oposição entre jogo e trabalho |
As crianças
possuem, desde pequenas, uma percepção clara sobre as dicotomias e contradições
existentes no ambiente escolar. Evidência disso são os resultados da pesquisa
de mestrado da professora de educação física Nair Correa Salgado, defendido no
programa de pós-graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
de Presidente Prudente.
De março a
novembro de 2011, Nair investigou as percepções de 21 crianças de 1º ano do
ensino fundamental em uma escola municipal de Presidente Prudente sobre o
ambiente escolar. Na época, as crianças estudavam numa escola que participa do
Programa de Educação Integrada Cidadescola que, como o nome sugere, é a
estratégia de educação integral local.
A pesquisa
ganhou, então, um duplo contorno - compreender o programa Cidadescola no âmbito
das políticas de ampliação do ensino fundamental e da implantação da escola de
tempo integral no município e, ao mesmo tempo, investigar os pontos de vista
das crianças sobre as atividades desenvolvidas nesse contexto, especialmente em
relação ao tema da ludicidade.
Mudança de rumo
"Quando
eu entrei no mestrado em 2009, tinha a intenção de analisar a prática de uma
professora de 1º ano. Mas ocorreu a mudança para o ensino fundamental de nove
anos e, aqui em Prudente, houve a implantação do Cidadescola", relembra
Nair. Essa combinação de fatores a levou a redirecionar o foco de sua pesquisa
para a percepção das crianças sobre sua escola. "Diante disso, o projeto
de mestrado mudou. Passou a ser a visão das crianças com relação às mudanças."
A coleta de
dados ocorreu entre março e novembro de 2011. Para realizar a investigação,
Nair usou a etnografia, a observação participante e entrevistas com
professores, além de metodologias destinadas a colocar as crianças na posição
de sujeitos de pesquisa por meio de canais de expressão próprios: fotografias,
desenhos e entrevistas coletivas.
Foram
selecionados para a pesquisa alunos que cursavam o 1º ano regular no período da
manhã e, de tarde, participavam de três oficinas do Cidadescola, ofertadas pela
própria Nair - além de pesquisadora, ela atua como professora da rede
municipal.
A criança como sujeito
Para tanto,
Nair fundamentou a pesquisa em especialistas em sociologia da infância, como
William Corsaro e o português Manuel Sarmento, além de autores como Elizabeth
Graue e Daniel Walsh, que se aprofundam nas reflexões sobre a infância e no
desenvolvimento de metodologias que colocam as crianças como sujeitos de
pesquisa.
Além disso,
Nair entrevistou professores que atuam tanto em sala de aula durante o período
regular, quanto nas oficinas do Cidadescola. Dessa forma, ela pôde analisar e
confrontar distintas perspectivas e pontos de vista.
Na pesquisa
as crianças foram orientadas por Nair a fotografar situações e elementos no
ambiente escolar que julgassem ser interessantes. A cada dia, uma criança era
sorteada para fotografar.
Com as fotos
feitas pelos alunos em mãos, Nair selecionava aquelas que considerava mais
interessantes e pedia para as crianças fazerem o mesmo. Ao fazer a seleção, a
pesquisadora constatou um aspecto fundamental para sua investigação: a
diferença de pontos de vista e de visões entre adultos e crianças.
"Elas
tiravam fotos dos coelhos da escola e das mochilas. Fiquei intrigada com aquilo,
eram bolsas e mais bolsas", relata. "Eu perguntei para uma menina:
por que você está tirando foto da bolsa? Ela respondeu: mas eu não estou
tirando foto da bolsa, eu estou tirando foto da Tinker Bell, do Batman, do
Homem Aranha", conta a pesquisadora.
Com isso,
Nair percebeu que as crianças estavam fotografando os personagens de que
gostavam e que tinham significado para eles, não as mochilas. "O que já
mostra como crianças e adultos veem as coisas de maneira totalmente
diferente."
Além disso,
a seleção das fotos mais significativas da pesquisadora raramente coincidia com
a das crianças. E quando coincidiam, os motivos eram diferentes. "As
crianças diziam: ah, escolhi porque estou com o meu amigo; enquanto eu escolhia
porque eles estavam fazendo uma atividade legal, interessante. Eles não estavam
nem aí com a atividade, eles estavam desfrutando da relação com seus
pares."
Essa
percepção foi importante para Nair aprofundar as análises sobre a questão
norteadora da pesquisa: a ludicidade na escola.
"A pesquisa
mostrou que muitas crianças compreendem a oposição entre jogo e trabalho",
aponta Nair. Para elas, trabalhar é "chato" e brincar,
"legal", levando-as a estabelecer uma divisão entre o horário de aula
regular e as oficinas e demais atividades de contraturno.
A atração do lúdico
Segundo
Nair, as crianças fizeram afirmações como "a escola está mais divertida
porque há mais momentos de brincadeira" ou que "não gostavam de nada
no horário da sala". "Tais depoimentos demonstram a preferência das
crianças pelas atividades lúdicas, tanto na sala de aula, quanto nas oficinas
do programa Cidadescola."
Paralelamente,
a rotina da sala de aula é descrita como cansativa pelas crianças e as
atividades nesse espaço parecem não ser tão atrativas quanto as que fazem fora
dela. Quando perguntadas sobre as atividades preferidas nas aulas regulares, a
maioria disse ser a hora do brinquedo ou a educação física.
Para Nair,
essa visão aponta
para a percepção de uma divisão dentro da escola - apesar de ela participar de
um programa de educação integral. Assim, para as crianças existe a "escola
chata", do período regular de aulas, e a "escola
legal", das oficinas e das brincadeiras. "É como se existissem duas
escolas numa mesma unidade escolar", conclui.
Ouvindo o professor
Os docentes
entrevistados para a pesquisa de Nair percebem a existência dessa mesma
divisão, admitindo que na sala de aula estão preocupados em cumprir o currículo
e o planejamento. Suas declarações à pesquisadora traduzem essa visão:
"Essa história de lúdico fica realmente de lado na sala de aula", ou
"Eu reconheço que sou lúdica no Cidadescola e que não sou lúdica na sala
de aula", disseram eles durante as entrevistas realizadas pela
pesquisadora Nair.
Segundo os
professores, essa divisão na educação integral ocorre porque, na sala de aula,
há uma série de compromissos e metas, especialmente aquelas estabelecidas por
meio de indicadores - como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) - e avaliações externas, como o Sistema de Avaliação do Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) e a Prova Brasil, o que não ocorre nas
atividades extraclasses.
"O
primeiro item que apareceu nas entrevistas com os professores foi a pressão do
Ideb. Eles relataram que nas aulas regulares têm de preparar esse aluno para
ler, escrever, produzir textos e que, por isso, o lúdico fica de lado. Uma das
professoras chegou a dizer que, se não tivesse a educação física, talvez os
alunos não tivessem nenhum momento lúdico no período regular", descreve
Nair. "Em contrapartida, no programa Cidadescola, eles podem ousar, criar,
sentem liberdade para fazer coisas diferentes, têm um tempo extra que na sala
de aula eles não têm."
Na visão da
pesquisadora, esses resultados apontam para o risco de uma oposição entre o
"período regular" e o "contraturno", como se fossem duas
escolas diferentes na mesma unidade escolar. Esse efeito contrariaria as
diretrizes didático-pedagógicas presentes na literatura e nos documentos
oficiais sobre educação integral, os quais enfatizam a necessidade da adoção de
metodologias que articulem e estabeleçam uma continuidade entre as atividades
curriculares e extracurriculares.
A atração do lúdico
Nair alerta
para os efeitos dessa divisão no que se refere à perda das potencialidades da
educação integral e reflete sobre algumas possibilidades de recuperação.
"Não adianta colocar o título de educação integral. É preciso mudar a
visão, primeiro de quem faz essas políticas, essas pessoas precisam pensar no
dia a dia da escola", analisa Nair.
Paralelamente,
os funcionários das escolas também precisam mudar de atitude, no sentido de
incorporar práticas pedagógicas que possibilitem que as crianças se expressem e
vivenciem o lúdico durante as aulas regulares. "Muitos professores ainda
querem que as crianças fiquem sempre quietas, em silêncio."
No entanto, a integração entre o curricular e o
extracurricular é possível, desde que haja uma mudança de visão e de práticas
no ambiente escolar, além de um apoio dos órgãos responsáveis pelas políticas e
pela gestão, como as secretarias de Educação. "Hoje, eu percebo uma
mudança nas escolas mais antigas que têm o programa Cidadescola, inclusive
nesta escola onde fiz a pesquisa. Há uma mudança, inclusive, no nível do
projeto pedagógico, por meio da integração dos currículos."
Conheça a pesquisadora
|
Nair Correa Salgado é graduada em educaçãofísica
pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente. Em 2012,
tornou-se mestre pelo programa de Pós-Graduação em Educação, da mesma
universidade. Ela também atua como professora da rede municipal de ensino
local e durante três anos foi coordenadora do programa Cidadescola em uma unidade
de ensino.
|
Saiba
mais
|
Acesse a dissertação de mestrado Programa
"Cidadescola" no 1º ano do ensino fundamental em uma escola de
Presidente Prudente: entre a ludicidade e a sala de aula emhttp://bit.ly/1M6IB0I
|
VEJA TAMBÉM
Nenhum comentário:
Postar um comentário